10 novembro 2008

XLIII Visão

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Paris (2008)
Cédric Klapisch

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03 novembro 2008

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2 anos de cadernos imaginários
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02 setembro 2008

LXXXVIII Memória

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Estava muito só, mas nunca vivi só. Quando estava com alguém, estava muitas vezes feliz. Mas ao mesmo tempo achava tudo fruto do acaso. Aqueles eram os meus pais, mas poderiam ser outros. Porque razão o dos olhos castanhos era o meu irmão e não o dos olhos verdes?
A filha do homem do táxi era minha amiga, mas também podia pôr o braço à roda da cabeça de um cavalo.
Estava com um homem, estava apaixonada, mas podia igualmente deixá-lo e ir com o desconhecido que vinha do outro lado da rua.
Creio que hoje é Lua Nova. Não há noite mais tranquila. Não correrá sangue em toda a cidade.
Nunca brinquei com ninguém, no entanto nunca abri os olhos e pensei: Agora é a sério. Não é o tempo coisa tão pouco séria?
Nunca fui solitária, nem quando estava só nem quando estava com alguém. Mas gostava de ser finalmente solitária...

(As Asas do Desejo – Wim Wenders)
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01 setembro 2008

XLII Visão

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A Costa dos Murmúrios (2004)
Margarida Cardoso

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26 junho 2008

XXXVI Memória

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O cheiro de rosas velhas e tabaco
Faz-me recordar.
Há quase vinte anos
Que não te vejo
E prossegue o nosso meio amor.

Deixaste-me isto:
Esta mão, entreaberta, imóvel
Sobre uma colcha verde.
Coisa bastante para erguer
Alguns poemas de melancolia.

Tivesse eu então tocado em ti
Talvez um de nós sobrevivesse.


Ian Hamilton
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13 maio 2008

XLI Visão

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My Blueberry Nights (2007)

Wong Kar-Wai
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08 abril 2008

XXXV Memória

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Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de Verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, essas flores, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens. No chão da velha casa a água da lua fascina-me. Tento, há quantos anos, vencer a dureza dos dias, das ideias solidificadas, a espessura dos hábitos, que me constrange e tranquiliza. Tento descobrir a última face das coisas e ler aí a minha verdade perfeita. Mas tudo esquece tão cedo, tudo é tão cedo inacessível.

Vergílio Ferreira
(excerto de Aparição)

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03 março 2008

XXXIV Memória

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Maria Gabriela Llansol (1931-2008)

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26 fevereiro 2008

XL Visão

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There will be blood (2007)
Paul Thomas Anderson
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23 janeiro 2008

XXXIX Visão

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Heath Ledger (1979-2008)
Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005)
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13 janeiro 2008

XXXVIII

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Imitação da Vida (1959)
Douglas Sirk
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10 janeiro 2008

XXXII Memória

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Petit Pays (para ti )
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La na céu bo é um estrela
Ki ca ta brilha
Li na mar bo é um areia

Ki cata moja
Espaiod nesse monde fora
So rotcha e mar

Terra pobre chei di amor
Tem morna tem coladera
Terra sabe chei di amor
Tem batuco tem funana

Oi tonte sodade
Sodade sodade
Oi tonte sodade
Sodade sem fim

Petit pays je t'aime beaucoup
Petit petit je l'aime beaucoup
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Cesaria Evora (letra Nando da Cruz)
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05 janeiro 2008

XVI Sonho

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Pouco a pouco o sonho dissolve, a nódoa de oiro alastra. Vai mexer com o subterrâneo, acorda os mortos, desenterra o sonho submerso há dois mil anos, sobressalta o instinto, bole com todas as almas sobrepostas até ao fundo da vida. Transforma, volta a existência do avesso, deita o muro abaixo. Por ora é só uma ideia, mas sai-nos de cima o peso do mundo...
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Raul Brandão
Húmus
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28 dezembro 2007

XXXI Memória

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A tua voz remete-me ao silêncio de uma idade terrivelmente
pura.
Terrível é a paixão sobre a imensidade das rosas,
terrível a semente que lanças, amaldiçoando o dia:
cerejas esmagadas por uma incontrolável doçura,
laranjas frias.
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José Agostinho Baptista
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19 dezembro 2007

XXXVII Visão

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Chungking Express (1994)
Wong Kar-wai
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14 dezembro 2007

XXX Memória


Já não pertenço àquele tempo em que se brincava na rua e se empurrava os putos pela ribanceira abaixo. Nasci na cidade, o infantário ficava no segundo andar e o ATL estava à proximidade de uma rua perpendicular. A escola primária, essa, ficava pouco mais longe. Mas não havendo pátios em caminho para jogar ao berlinde, nem grandes áreas verdejantes para correr e fazer o pino, o pessoal contentava-se com as paredes domésticas e as das escolas onde era obrigada a passear as fatiotas.


Ora bem. Do que eu gostava era de ser tirana. Gostava do poder e do exercício do mesmo. E, como tirana, eu safava-me bem. Garante a minha mãe, que ao contrário de mim nunca mente, que eu alinhava todas as minhas 20 bonecas no sofá da sala e desatava à bofetada. Trra-ta-ta-ta-ta-ta-ta-tau! Aquilo era distribuir bordoadas irmãmente. E barafustava, tinha verdadeiros motivos para lhes puxar os cabelos e esmagar-lhes as cabeças. Ainda hoje do que eu mais gosto é de descarregar a minha raiva nos outros. Mudei de método, claro. Desatar à tareia era capaz de trazer algumas consequências menos agradáveis para o meu lado. Para exercer a minha tirania, também me disfarçava de professora. Fazia ditados às minhas amigas, que eu sabia que escreviam mal, para ter o prazer de corrigir no fim. Também mandava fazer desenhos, porque eu tinha a mania que eu é que era a artista.


Na escola, tinha três brincadeiras preferidas: matar minhocas, adaptar músicas da moda, reescrevendo-as a começar com “saí de casa, blá blá blá…” (o sonho continua) e fazia o pino na parede. Tentava ir sempre que possível de saia, para mostrar as cuecas. Para pinar mostram-se as cuecas, não é? Bom. Lembro-me de certo dia estar eu e uma amiga nesses preparos, que é como quem diz uma ao lado da outra de pernas para o ar e cuequinha à mostra, e passar uma professora e exclamar “que pouca vergonha!”. Com toda a razão.


Contudo, aquilo que eu mais gostava de fazer era beijar miúdas. Todos os pretextos eram bons. Brincar aos médicos, por exemplo. Se eu fosse a médica, podia salvar a minha amiga do afogamento e tinha direito a exercer a preciosa respiração boca-a-boca. Se eu estivesse em apuros…bem, não preciso de continuar. Eu gostava de estar em apuros. Entrava no consultório e dizia “ó doutora, tenho uma dorzinha aqui…não, aí, não, aqui, aqui…”. Sabidolas. Desde pequena a torcer o pepino. Bom. Eu sorrio comprometedoramente sempre que alguém me pergunta quando dei o meu primeiro beijo. Agora já sabem porquê. Lembro-me que fiquei muito desapontada quando a minha principal companheira das beijocas se armou em adulta ou lá o que era e me disse “não, temos de parar com isto, já não somos crianças”, ao que eu respondi “não, eu acho que é ao contrário! Agora que somos crescidas é que devíamos fazer isto mais vezes!”. Eu é que tinha juízo. Alguém me imagina quietinha no meu lugar, santinha aos olhos de Deus? Não desisti da catequese para ficar de mãos atadas. Oops. A verdade é que fiquei muito deprimida quando, já adulta e em conversa com as minhas colegas, percebi que nem todas as miúdas eram assim. Mummy, there’s something wrong with me!


Resumindo, as minhas ocupações passavam por ser tirana, dar tabefes, mostrar as cuecas e beijar miúdas. Não mudou muito desde aí.


Graças a Deus, os putos hoje têm Playstations.

09 dezembro 2007

XXIX Memória

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fora do amor a vida tem menos tempo, dizias.
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Al Berto
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20 novembro 2007

XXVIII Memória

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Escavo o rasto dos teus passos:
o mundo
derrama-se
na cavidade que fica,

volto a amar-te
no limite febril de mim mesmo,

tu folheias, agora terra fina,
os meus remotos
testemunhos.
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Paul Celan
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XXXVI Visão

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Juncos Silvestres (1994)
André Téchiné
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16 novembro 2007

Ano I

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para ti, um ano
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Inspiro-me na minha alegria, na morte guardada. Vivo sobre uma dolorosa parcimónia, às vezes uma dissipação da masculinidade, como se tudo fosse uma doença contraditória. Inspiro-me no que é uma força e também uma vulnerabilidade, diante da lembrança e do esquecimento. Porque a memória tem a sua parte de esquecimento. Depois é um ritmo, uma libertação. Encho folhas de papel com essa trama subtil e exasperada feita de memória, a atentas expensas de esquecimento. É o relatório do medo lido ao inverso.
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(os cadernos imaginários)
Herberto Helder
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XXXV Visão

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Intimidade
Patrice Chéreau (2001)
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07 novembro 2007

XV Sonho

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... sonho com uma velhice silenciosa e melancólica, a mão esquecida sobre a cabeça de um cão. o olhar preso ao cíclico fascínio das águas e dos jardins. sonho com uma velhice onde a solidão não doa. solidão superpovoada de amigos, de silhuetas andróginas para o amor, de rostos belos como sensações de sorrisos, de mãos que aprenderam a falar.

Al Berto
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16 outubro 2007

XXVII Memória

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Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz a tua voz
é uma corda, a minha
um fio a partir-se.
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Helder Moura Pereira
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10 outubro 2007

XXVI Memória

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despi devagar o calor de dizer o teu nome
no silêncio do quarto

o aconchego de se ainda voltasses
abre-se em palavras surdas

depois de improviso percorro a solidão
ao espelho

como se, ao olhar muito te visse
preso na pele dos dedos
inacabado e à deriva nos meus olhos


Maria Sousa
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12 setembro 2007

XXV Memória

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É noite e arde à nossa volta
tudo o que um dia foi nosso mas perdemos
ao fundo das escadas da infância.

Amadeu Baptista
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05 setembro 2007

XXXIV Visão


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5x2 (2004)
François Ozon
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01 setembro 2007

XXIV Memória



... Além de não ter encantos e de estar vestida de uma maneira de que é difícil mostrar o ridículo, eu não me distinguia pela beleza. Era pequena e bastante mal feita, magra, crivada de sardas, sobrecarregada por duas tranças ruivas que me caíam até metade das coxas (digo tranças mas seria mais conveniente dizer cordas, de tal modo a minha mãe apertava e puxava os meus cabelos), estava queimada pelo sol porque na plantação vivíamos mais ou menos sempre fora de casa (e nessa altura a moda em Saigão era a pele branca). As minhas feições, bastante regulares, teriam podido passar por belas mas a expressão hostil, taciturna e obstinada do meu rosto deformava-as completamente e não se dava por elas. Eu tinha um olhar mau que a minha mãe qualificava como "venenoso". Para concluir, quando encontro fotos dessa época, busco em vão uma doçura nas minhas feições, uma suavidade. Os caros amigos da minha mãe diziam que eu viria a ser bonita - que eu possuía uns belos olhos mas era necessário que usasse óculos porque tinha certamente qualquer coisas, o meu olhar não era natural.



Marguerite Duras

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28 agosto 2007

XXXIII Visão

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A Vida dos Outros (2006)
Florian Henckel von Donnersmarck's

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02 agosto 2007

XXIII Memória

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Ingmar Bergman
14 de Julho de 1918 / 30 Julho de 2007

fotografia vista aqui
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24 julho 2007

XXXII Visão

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Nox
Jorge Molder
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